sábado, 2 de setembro de 2017

Carolina Maria de Jesus, a catadora de letras

A escrita de Carolina Maria de Jesus é sua forma de se recusar a ser “despejo” em uma sociedade desigual que a empurrou para a miséria

Carolina Maria de Jesus foi uma das escritoras brasileiras mais expressivas, traduzida para mais de dez idiomas. No Japão, o livro ganhou o título de Karonina nikki, algo como O Diário de Carolina.
Quarto de Despejo foi seu maior sucesso, mesmo assim não é tarefa das mais fáceis encontrá-lo nas livrarias; é mais provável que seja encontrado nos sebos. 
Não por acaso só recentemente pude descobrir sua história e sua escrita: se o trabalho das escritoras é geralmente subvalorizado e apagado, o trabalho de uma escritora negra, pobre e favelada encontra ainda mais dificuldades para superar a barreira da invisibilidade. 
Catadora de lixo e moradora da favela do Canindé, em São Paulo, na segunda metade da década de 50, Carolina usava os cadernos que encontrava no lixo para escrever sobre seu cotidiano e pensamentos. Virou um diário que passou a ser publicado num jornal; há inclusive trechos em que os vizinhos vêm tirar satisfação com ela sobre algo que ela escreveu. 
O quarto de despejo surge como uma metáfora para a desigualdade que estabelece seu papel e sua posição nessa história: ela aponta que, enquanto o centro da cidade é a sala de visitas, a favela é o quarto onde se joga o indesejável, o entulho, tudo aquilo que se quer esconder. Sua escrita, no entanto, é sua forma de se recusar a ser “despejo”, a ser “resto”.  
Sua voz é marcante não pelos “erros” gramaticais preservados pela edição (o que aliás me deixou a dúvida: isso teria sido uma forma de respeitar sua escrita, de mostrar que o texto tem valor independente de “norma culta”, de apontar que ela não precisa ser corrigida ou transformada em algo dentro do padrão, ou seria uma forma de apresentar uma escrita “autenticamente de favelado”? Realmente, não sei), mas sim pela sensibilidade para os detalhes normalmente desprezados pelo nosso olhar. 

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