quinta-feira, 5 de outubro de 2017

                                          CROCODILOS E AVESTRUZES
             Ligia Amaral apresenta de maneira muito hábil suas reflexões, posicionamentos e inquietações pertinentes ao espaço das diferenças/deficiências, salientando a importância de o leitor ser informado a respeito do lugar de onde ela fala, esclarecendo que falar de algo interno a si próprio amplia a validade e significação do discurso.
          Como ponto de partida, Ligia Amaral torna urgente, ao tratar do termo diferença, primeiramente, seu esforço no sentido de colocar sob os holofotes aquilo que apreende como diferença em seus textos, visto que esta pode fazer referencia a inúmeras manifestações/estados/coisas.
           Então, pontua que a diferença a que se refere é a “diferença física”, aquela que pode ser “absorvida” pelo olhar do outro, enfatizando a amplitude desta idéia, fazendo-nos pensar a respeito de tão vasto é esse contexto, utilizando como exemplos de diferenças físicas o obeso, o baixo, o negro, aquele que utiliza óculos, o surdo, o cego, o paraplégico etc. No entanto, evidencia que o lugar da diferença, inegavelmente, é o corpo. (AMARAL, 1998)
            Debruçando sobre essa construção conceitual, intencionando enveredar por caminhos mais significativos e relevantes, mas não menos tortuosos, a autora apresenta o conceito de “significativamente diferente” ou “diferença significativa” como sinônimo de deficiente/deficiência.
            A diferença pode ser construída negativamente – por meio da exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que são definidas como “outros” (...) Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam resgatar as identidades sexuais dos constrangimentos da norma e celebrar a diferença. (WOODWARD, 2000, p.50).
           Para Amaral (1998) mediante manifesta diversidade, e considerando sua proclamada legitimidade, o pensamento a respeito da diferença significativa ou deficiência, possivelmente, encontrará uma nova mentalidade. A autora revela, desta maneira, uma das idéias nucleares desse caminho tortuoso, que pode nos levar, não somente a entender, respeitar e aceitar o “outro”, mas, e principalmente, se colocar no papel do “outro” ou permitir ao “outro” ser “eu”, assim
          O preconceito é uma construção conceitual estabelecida anteriormente à nossa experiência. Constituindo duas dimensões principais: uma é a atitude, definida a partir de nossas predisposições psíquicas favoráveis ou desfavoráveis (para o nosso discurso, desfavorável) em relação a algo ou alguém, sendo seus conteúdos emocionais a admiração, medo, raiva, repulsa, amor, ódio etc; agindo com filtro para nossas interpretações e percepções. E a segunda dimensão trata do desconhecimento, o qual deriva da desinformação dos fatos ou sentimentos/emoções não elaborados. (AMARAL, 1998).
       Conclusivamente, externamos a necessidade de sairmos da posição de avestruzes, transformando nossos pensamentos e anseios em objetivações, em ações práticas que se materializem no dia-a-dia, utilizando as pontes movediças do conhecimento teórico-científico para transitar de maneira segura pelo rio das relações intra e interpessoais, que estão repletas de crocodilos que levam a tonalidade e o peso do preconceito, do estereótipo e do estigma.

           As metáforas dos crocodilos e avestruzes utilizadas pela autora nos remetem à complexidade do momento atual, no qual as relações humanas evidenciam  crises, embates e a falta de respostas para a diversidade e para as diferenças. Ainda vislumbramos ou mesmo tateamos estratégias e modos de conduta ética para lidar com esta realidade e percebemos que esta preocupação tem sido crescente na formação de pessoas voltadas às relações humanas, como é o nosso caso.

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