terça-feira, 29 de maio de 2018


                                                                RESENHA
Alfabetização de adultos: ainda um desafio
                                                                                               Regina Hara

A concepção freireana de homem e de mundo, remete, em sua essência, a uma postura pedagógica:
Assim, a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto (...) não existem senão homens concretos ('não existe homem no vazio'). Cada homem está situado no espaço e no tempo, no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso, num contexto social e cultural preciso. O homem é um ser de raízes espaço-temporais.2 (...) Para o homem, o mundo é uma realidade objetiva, independente dele, possível de ser conhecida.3 A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo dessas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades e nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar destas épocas.4
Para Freire o processo de alfabetização não é um simples juntar sílabas, envolve muitas outras questões, tais como: onde o sujeito está inserido, sua história, sua realidade, suas habilidades, enfim, é um leque de tópicos que devem ser levados em consideração.
Emília Ferreiro e Ana Teberosky, como Paulo Freire, tomam o homem como sujeito cognoscente e construtor de seu conhecimento.
A alfabetização é um processo que leva ao domínio do código escrito; os estudos psicolinguísticos mostram que há etapas cognitivas que o sujeito do processo passa para construir o domínio do código escrito. O homem, sujeito de sua aprendizagem, constrói seus conhecimentos nos diferentes momentos da vida e nas diferentes situações que vivencia, a escrita é um desses conhecimentos. Inscrita na leitura do mundo, a leitura da palavra é um de seus aspectos; a proposição para a construção da leitura da palavra segue o mesmo conceito da leitura do mundo, enquanto conduta de aproximação do objeto. Diferencia-se exatamente na eleição do objeto: o código escrito.

A leitura e a escrita fazem um todo com aquilo que se conhece do mundo e com os novos aprendizados. É a relação que se estabelece entre o objeto e os sujeitos que produz o conhecimento. Nós somos, como alfabetizadores, os mediadores da relação que os sujeitos alfabetizandos estabelecem com o objeto escrita.
A possibilidade de escrever está muito ligada ao valor que a proposta tem para cada um.
O processo específico de ler e escrever se desenvolve a partir de uma situação coletiva. A cada comportamento manifesto corresponde uma proposta de trabalho; a cada interesse explicitado, uma proposta de continuidade. Podemos exemplificar, usando uma situação em que discutimos um fato bastante comentado pela imprensa: depois de esgotarmos o que sabíamos, nos propusemos a trazer recortes de jornal, com eles ampliamos as informações e opinamos, discutimos as diferentes visões; depois fomos escrever o que havia ficado para cada um, alguns escreveram um texto, outros apenas uma frase; para alguns houve reescritura, complementação do texto, outros apenas quiseram corrigir seus erros de escrita.
É a coragem de escrever que vai permitindo que cada vez mais incorporem dados. Mais importante do que escrever certo, é escrever o que sentem vontade de escrever.
Apontam caminhos para soluções de problemas há muito colocados na área da metodologia:
 1) É possível considerar o saber intelectual dos adultos não escolarizados. Eles têm conhecimentos que a escola não pode desconsiderar. Conhecer quais são esses saberes nos permite efetivamente valorizá-los na prática pedagógica.
 2) Os adultos não escolarizados operam cognitivamente e não são meros depósitos para informações. Assim como na formação do pensamento das crianças há etapas de desenvolvimento, para os adultos analfabetos também. E, como para elas, a progressão nas etapas depende de uma construção efetivada a partir de desafios, informações, interrelação com o meio.
3) Perceber a construção social do código escrito e apropriar-se dele pode ser um dos passos para perceber as relações no mundo


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