RESENHA
Alfabetização
de adultos: ainda um desafio
Regina Hara
A concepção freireana de homem e de mundo, remete,
em sua essência, a uma postura pedagógica:
Assim,
a vocação do homem é a de ser sujeito e não objeto (...) não existem senão
homens concretos ('não existe homem no vazio'). Cada homem está situado no
espaço e no tempo, no sentido em que vive numa época precisa, num lugar preciso,
num contexto social e cultural preciso. O homem é um ser de raízes
espaço-temporais.2 (...) Para o homem, o mundo é uma realidade objetiva,
independente dele, possível de ser conhecida.3 A partir das relações do homem
com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de
criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a
realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o
fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o
jogo dessas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desafiado e
respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a
não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades e nem das culturas.
E, na medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas
históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem deve participar
destas épocas.4
Para Freire o processo
de alfabetização não é um simples juntar sílabas, envolve muitas outras
questões, tais como: onde o sujeito está inserido, sua história, sua realidade,
suas habilidades, enfim, é um leque de tópicos que devem ser levados em
consideração.
Emília Ferreiro e Ana
Teberosky, como Paulo Freire, tomam o homem como sujeito cognoscente e
construtor de seu conhecimento.
A alfabetização é um
processo que leva ao domínio do código escrito; os estudos psicolinguísticos
mostram que há etapas cognitivas que o sujeito do processo passa para construir
o domínio do código escrito. O homem, sujeito de sua aprendizagem, constrói
seus conhecimentos nos diferentes momentos da vida e nas diferentes situações
que vivencia, a escrita é um desses conhecimentos. Inscrita na leitura do
mundo, a leitura da palavra é um de seus aspectos; a proposição para a
construção da leitura da palavra segue o mesmo conceito da leitura do mundo,
enquanto conduta de aproximação do objeto. Diferencia-se exatamente na eleição
do objeto: o código escrito.
A leitura e a escrita
fazem um todo com aquilo que se conhece do mundo e com os novos aprendizados. É
a relação que se estabelece entre o objeto e os sujeitos que produz o
conhecimento. Nós somos, como alfabetizadores, os mediadores da relação que os
sujeitos alfabetizandos estabelecem com o objeto escrita.
A possibilidade de
escrever está muito ligada ao valor que a proposta tem para cada um.
O processo específico
de ler e escrever se desenvolve a partir de uma situação coletiva. A cada
comportamento manifesto corresponde uma proposta de trabalho; a cada interesse
explicitado, uma proposta de continuidade. Podemos exemplificar, usando uma
situação em que discutimos um fato bastante comentado pela imprensa: depois de
esgotarmos o que sabíamos, nos propusemos a trazer recortes de jornal, com eles
ampliamos as informações e opinamos, discutimos as diferentes visões; depois
fomos escrever o que havia ficado para cada um, alguns escreveram um texto,
outros apenas uma frase; para alguns houve reescritura, complementação do texto,
outros apenas quiseram corrigir seus erros de escrita.
É a coragem de escrever
que vai permitindo que cada vez mais incorporem dados. Mais importante do que
escrever certo, é escrever o que sentem vontade de escrever.
Apontam caminhos para
soluções de problemas há muito colocados na área da metodologia:
1) É possível considerar o saber intelectual
dos adultos não escolarizados. Eles têm conhecimentos que a escola não pode
desconsiderar. Conhecer quais são esses saberes nos permite efetivamente
valorizá-los na prática pedagógica.
2) Os adultos não escolarizados operam
cognitivamente e não são meros depósitos para informações. Assim como na
formação do pensamento das crianças há etapas de desenvolvimento, para os
adultos analfabetos também. E, como para elas, a progressão nas etapas depende
de uma construção efetivada a partir de desafios, informações, interrelação com
o meio.
3) Perceber a
construção social do código escrito e apropriar-se dele pode ser um dos passos
para perceber as relações no mundo
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